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O envelhecimento na perspectiva do cuidador de idosos (Parte II)

Fonte: Garbin, Cléa Adas SalibaSUMIDA, Doris Hissako ; MOIMAZ, S. A. S. ; PRADO, Rosana Leal Do ; Silva, Milene Moreira da . O envelhecimento na perspectiva do cuidador de idosos. Ciência e Saúde Coletiva (Impresso), v. 15, p. 2941-2948, 2010.

 

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As dificuldades que eu vejo estão aí na frente: maus-tratos, desrespeito em diversas áreas, familiares que não aceitam um idoso dentro de casa dando um pouco mais de trabalho, dependente de tudo, não enxergando direito, sem forças para andar sozinho, é debilitado. O velho enfrenta a solidão, o preconceito, as doenças. Quando tem Alzheimer sofre menos porque perde a noção de tudo o que está acontecendo. Quando é lúcido é pior porque entende tudo, tem que ficar no asilo, tem medo das pessoas. Para cuidar de idosos acamados ou em cadeiras de rodas é preciso paciência.

Todas as mudanças consequentes do próprio envelhecimento acarretam desgaste tanto para o idoso quanto para o cuidador, do qual são requeridos paciência, habilidade e conhecimento para lidar com a situação. Uma vez que qualquer desses itens não esteja presente, muito facilmente haverá convergência da situação para o caminho que tange os maus-tratos.

Os maus-tratos contra idosos, descritos pela primeira vez em 1975, na Inglaterra, têm sido tema explorado em pesquisas científicas e alvo de ações governamentais em todo o mundo e no Brasil, vigorosamente, desde a última década. Eles podem ser definidos como atos únicos ou repetidos – ou ainda ausência de ação apropriada que cause dano, sofrimento ou angústia – e que ocorram dentro de um relacionamento de confiança.

Na literatura especializada, os maus-tratos são usualmente classificados em: físico, verbal, psicológico ou emocional, sexual, econômico, negligência e autonegligência, levando para longe a ideia de que se trata apenas da agressão física. Os violentados sentem a agressão desde um simples xingamento até espancamento, enquanto quem agride nem sempre se conscientiza de que aquele ato já é um ato de violência, como deixar de trocar a fralda urinada ou simplesmente deixar de dar um copo de água ao idoso. Os cuidadores entrevistados entendem o que é violência contra idoso; mas será que eles não a cometem de alguma forma? Ocupar o cargo de cuidador em uma instituição de terceira idade por falta de opção (e não por afinidade) e não dar atenção e carinho ao interno mais carente já sugere violência.

A questão é que independentemente da forma de violência os idosos não costumam denunciar, por não conseguirem se locomover, por não terem contato com outras pessoas, por medo de maior agressão ou mesmo de abandono; e mesmo quando fazem a denúncia, ninguém acredita em seus relatos, pois eles não são considerados lúcidos o suficiente para dizerem verdades, e simplesmente são ignorados. Diante disso, exalta-se a importância da responsabilidade dos profissionais de saúde em detectar sinais de violência, orientar seus pacientes quantos aos tipos de apoio que eles podem recorrer e, principalmente, notificar a vigilância epidemiológica. Fernandes e Assis explicam que certos tipos de lesões e ferimentos frequentes no idoso, sua aparência descuidada, desnutrição, comportamento muito agressivo ou apático, afastamento, isolamento, tristeza ou abatimento profundo são sinais que merecem investigação. Quando se enfoca saúde global, as diferentes formas de violência contra o idoso comprometem sua qualidade de vida, acarretando somatizações, transtornos psiquiátricos e morte prematura, apontando que idosos vitimados por maus-tratos apresentam também uma taxa de mortalidade muito mais alta que a dos idosos que não sofreram abuso.

Outro fator relacionado a essa situação é o nível de estresse do cuidador, que também é significante fator de risco para maus-tratos contra idosos. Embora ainda se acredite que seja um fator contribuinte para a ocorrência de abuso, ele não responde, por si só, pela sua ocorrência. Mas se trabalhar com idosos causa tanto desgaste para quem presta este serviço, porque optar por ele? Os cuidadores explicaram que seria pelo interesse no emprego ou no salário, por ocupar a vaga por acaso, ou então por gostar.

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Vim trabalhar aqui por necessidade, não foi opção de trabalho, precisava complementar minha renda, estava desempregada. Estava precisando de funcionário e eu fiquei sabendo da vaga e trouxe meu currículo aqui. Vim por acaso, não porque eu tinha vontade de trabalhar com idosos, eu achava que era uma coisa ruim, aí me interessei em fazer isso e depois eu gostei, preferi ficar aqui com eles, depois me apeguei. É muita satisfa- ção em cuidar deles, me identifico muito. Tinha uma vontade muito grande de trabalhar com idosos e trabalhar aqui, meu Deus, não tem compara- ção. Gosto muito de cuidar dos velhinhos.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)23, em 2002 a média da taxa de desemprego aberto situou-se em 7,3%, o que é superior à média do período de janeiro a outubro de 2001 (6,3%). Dados como estes podem ser colhidos em qualquer jornal ou telejornal diário brasileiro; no entanto, mesmo com a política atual estável, não se consegue erradicar o desemprego, levando o cidadão a trabalhar no emprego disponível no momento, não necessariamente na sua área de formação.

A função do cuidador de idoso, seja um profissional qualificado, seja um simples voluntário que nunca teve qualquer tipo de formação, é um “cargo” que demanda muita disposição, paciência, atenção e capacidade de entendimento por parte de quem presta o serviço. A capacitação, o conhecimento e o treinamento são importantes no trabalho do cuidador. Saliba et al. destacam que as mudanças ocorridas na terceira idade levam o ancião, em muitos casos, a necessitar de alguém para auxiliá-lo, e quando não é fornecida capacitação ao profissional, resulta um desgaste tanto para o ser cuidado quanto para o cuidador. Esses autores ainda enfatizam que quem cuida trabalha pelos interesses de alguém e preocupa-se com esse alguém.

Os cuidadores entrevistados confirmaram estar no cargo por ser o único emprego que conseguiram. Considerando todos os pontos discutidos até agora, fica a dúvida se eles realmente estão preparados em prover o cuidado ao idoso institucionalizado, pois habilidades e virtudes, como a paciência, não fazem parte da índole de todos os seres humanos. Dessa forma, sugere-se que os internos estão mais vulneráveis aos maustratos, à falta de estímulo à manutenção da saú- de mental e à falta de cuidados específicos, quando o preenchimento do quadro de funcionários que lidam diretamente com o idoso (neste caso, os cuidadores) não exige seleção por qualificação e experiência profissional.

Quando as pessoas realizam atividades com as quais não têm afinidade ou habilidade, estas se tornam ocupações cansativas e estressantes, ficando muito aquém da excelência. Caldas ressalta que recebendo cuidado encontra-se um sujeito que tem uma dimensão existencial, sendo atingido pelos cuidados prestados pelo outro sujeito. Braun e Marcus alertam que os profissionais devem aprender uma nova filosofia quando forem tratar os pacientes idosos, mais do que um novo conjunto de habilidades clínicas e técnicas. Talvez uma seleção mais criteriosa pra tal cargo nas instituições possa contribuir para melhoria na qualidade de vida dos internos e menor desgaste para quem presta o cuidado. Brunetti e Montenegro afirmam que todo profissional envolvido no cuidado e no tratamento do idoso deve ter como objetivo de sua atuação a manutenção da identidade do indivíduo e a criação de condições que lhe permitam envelhecer graciosamente.

Dessa forma, o cuidador deve trabalhar oferecendo todo o benefício possível ao idoso. Mas o ato de cuidar de alguém gera alguns conflitos até mesmo pela diferença de personalidades entre os seres, e por isso os cuidadores foram questionados sobre as dificuldades que eles tinham no cuidado com o idoso. Destacaram que as maiores dificuldades são dar atenção necessária, ter insegurança, não haver compreensão.

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A dificuldade maior é atender eles na hora que eles querem. Eles começam a desabafar, contar que estão com saudade de alguém e eu não posso dar aquela atenção toda. Tem escassez de funcionário, tem que ter paciência com eles. Fico insegura na hora da alimentação, medo de engasgar, medo na hora do banho, de cair. Quando trabalho com os dependentes, não posso ajudar em algumas coisas como andar, enxergar… Quando eles ficam doentes, ficam muito frágeis. Saber a técnica é uma coisa, fazer funcionar é outra. A maior dificuldade é tentar fazer eles entenderem o que eu quero fazer. Muitas vezes eles não entendem.

É nítida a falta de cuidadores no quadro de funcionários das instituições, mas isso não justifica a falta de preparo dos entrevistados, principalmente quando se trata da insegurança no cuidado com o interno. A falta de compreensão desses cuidadores em relação à capacidade de entendimento de alguns internos pode levá-los a agir de forma rude e grosseira com o idoso. Eles entendem a fragilidade e a debilidade na saúde geral de alguns internos, mas não entendem que fornecer o cuidado ideal, dar carinho, amor e atenção são atitudes benéficas e confortantes ao ancião, uma forma de colaborar com o estado geral do idoso. Além disso, mesmo aqueles considerados “capacitados” por ter algum tipo de formação profissional, nem sempre já possuem experiência, pois eles mesmos relataram que é difícil colocar em prática todo o conhecimento (técnico) adquirido.

A falta de capacitação, de conhecimento e de prática do profissional que presta cuidados ao idoso gera insegurança, desorganização, irritação e falta de humanismo nele próprio. A maior vítima desse processo é o idoso que depende dos cuidados, pois não vai recebê-los adequadamente, o que prejudica seu bem-estar. A atenção aos simples gestos do ancião é fator que faz a diferença. Saber medicar e dar banho e alimentação nas horas certas não fazem da pessoa um profissional ideal para cuidar de idosos. É inegável a importância do conhecimento técnico, mas muito além do cateter existe um ser humano digno de respeito e cuidados especiais.

Esse respeito traz consigo a formação de elo entre as duas partes. Com isso, é possível que haja momentos bons durante todo o tempo de cuidados e atenção. Ao serem questionados sobre as satisfações que se adquiria ao cuidar de idosos, metade dos cuidadores não respondeu e a outra metade teve a mesma opinião: cuidar de idosos gera muita satisfação.

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 São muitas… eles me consideram e se apegam muito. Ficam alegres quando chego no serviço, não querem que eu vá embora, transmitem carinho, me proporcionam harmonia. É muito gratificante poder cuidar de uma pessoa e receber um sorriso, aprendo a valorizar as pessoas. Traz uma satisfa- ção muito grande de estar valorizando a minha vida hoje, promove bem-estar e é muito gratificante.

Para quem já tem habilidade, gosto por cuidar de pessoas e tem afinidade com idosos, o papel do cuidador traz muita satisfação. Embora os cuidadores entrevistados sintam-se de mãos atadas quando os anciãos possuem deficiências ou estão acamados, em outros momentos eles percebem que às vezes uma pequena atitude se torna imensa no entendimento do idoso. Desperta nesses cuidadores o afeto pelos internos, e a partir daí eles conseguem realizar o ato de cuidar com maior satisfação. O maior pagamento que o ancião pode oferecer a quem presta cuidados é o olhar de satisfação, suas histórias, experiência de vida, conselhos e os gestos de gratidão.

Depois da criação do relacionamento entre o cuidador e a pessoa que está sendo cuidada, inicia-se muitas vezes um laço afetivo. A partir desse laço, a relação diária passa a ficar menos exaustiva e mais satisfatória, pois através da vivência surgem descobertas e realizações que fazem com que ambos os lados sintam-se bem. Segundo Cattani e Girardon-Perlini, o cuidar apresentase como uma manifestação de afeto, uma concepção popular de amar, remetendo-nos a uma forma de compromisso com o outro. Os autores ainda exaltam que, nos casos de cuidadores que são filhos dos idosos, o ato de cuidar da própria mãe (ou do pai) transcende o ato em si, pois resgata o carinho, o amor, as desavenças do cotidiano e possibilita a retribuição de valores, de cuidados e também, de certa forma, o fato de existirem. Ao mesmo tempo, eles consideram as motivações que permeiam a tarefa de cuidar, e dessa forma observam que é evidenciada no cuidado uma forma de agradecimento pelas experi- ências vividas e pelos cuidados e atenção recebidos no passado.

Para os cuidadores que conseguem obter satisfações e enxergam recompensas nesse serviço, o próprio processo de envelhecimento pode ser mais saudável e mais tranquilo porque eles compreendem tudo o que acontece com cada idoso; no entanto, para os outros, “envelhecer” ainda é muito difícil, humilhante, principalmente por haver dependência física e financeira. Estes estão negligenciando a possibilidade de um dia se tornarem idosos e, pior, ignoram a hipótese de um dia compor o número de internos de um asilo, onde os profissionais não sejam qualificados, onde não haja ninguém para lhes dar atenção e carinho, onde no meio de tanta gente seja possí- vel sentir solidão. Não atentam para o fato de que um dia podem sentir-se bem e gratos por uma simples conversa com um cuidador mais atencioso e mais paciente. Para estes, ainda é preciso crescimento, ou então viverão a prática do medíocre pensamento de que chegar à terceira idade é tornar-se velho.

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