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Radioterapia – lesões inflamatórias e funcionais de órgãos pélvicos

Fonte: SANTOS, J. C. M. S., Radioterapia – lesões inflamatórias e funcionais de órgãos pélvicos. Rev bras. colo-proctol. vol 26. nº 3. Rio de Janeiro. Jul/Set 2006.

A operação cirúrgica desde que feita por meio de técnica adequada é requisito fundamental no tratamento do câncer do reto, não só objetivando a cura como também para evitar a recidiva local que é um evento catastrófico no qual os sintomas são debilitantes e a cura quase que impossível.

Nessa questão, a abordagem do câncer do reto insere aspectos anatômicos, cujos interesses cirúrgicos e clínicos ficaram bem definidos após a divulgação da técnica da excisão total do mesorreto (ETM)

Os resultados obtidos com essa técnica cirúrgica têm índices de confrontação melhores que os observados com os métodos cirúrgicos convencionais. Nessa situação, a recidiva local foi descrita variando de 20 a 40%, diminuídos, posteriormente, para cerca de 10% quando o procedimento cirúrgico foi antecipadamente complementado com a 5 radioterapia. Todavia, acima do esperado, já que, somente com ETM, Heald e col. e outros autores  relataram valores de recidiva local abaixo de 4%. Além disso, o aprimoramento técnico proposto , sem perder o caráter oncológico das técnicas onvencionais, tem um desenvolvimento que preserva as funções urogenitais e anais por conservar as estruturas nervosas regionais e manter intactos os esfíncteres do ânus.

A técnica ETM ocupou, no século passado, sem dúvida alguma, lugar de destaque entre as mais notáveis conquistas no tratamento do câncer do reto, não só por congrega novos conhecimentos a respeito da “patologia e da história natural da doença”, como por permitir melhor avaliação do estágio da lesão introduzir novos conceito a respeito de margem distal segura de resseção, diminuir substancialmente a recidiva local e poupar um grande número de pacientes dos inconvenientes da amputação abdômino-perineal do reto.

Outra conquista notável no campo do tratamento do câncer do reto originou com o avanço técnico-científico dos aparelhos de radioterapia – origem e modalidade de emissão dos raios e a avaliação tridimensional do alvo – e a crescente utilização dessa modalidade como adjuvante na terapêutica do câncer do reto.

A radioterapia pré-operatória foi introduzida para melhorar os índices de recidiva e tornou-se excitante, não só por poder ser associada à quimioterapia como por complementar a efetividade de tratamento da nova técnica cirúrgica, como pela evolução tecnológica que proporcionou melhor “penetração” e definição de alvo, aliviando os tecidos periféricos dos efeitos da radiação, e, também por outras razões tais como: avantagem teórica de irradiar um tecido não manipulado cirurgicamente e, portanto sob condições naturais de oxigenação, o que efetiva a ação da radiação; pela possibilidade de aumentar a chance de preservação do esfíncter anal, diminuindo as amputações, com as mesmas vantagens e sem as múltiplas desvantagens da radical mutilação ano-retal; pela menor possibilidade de lesão por radiação de alças intestinais; acrescido do fato de que o segmento irradiado seria cirurgicamente excisado e reposto por um segmento de cólon sadio com uma anastomose segura, proporcionando, a longo prazo, uma aceitável função evacuatória; e, finalmente, por acréscimo, pela crescente precisão no estadiamento da lesão neoplástica obtida pela ultra-sonografia endorretal e pela ressonância magnética que melhor definiram as margens livres de tumor.

A maior importância dos dados ultra-sonográficos (US) – avaliação prévia precisa – e da ressonância magnética (RM) entre os citados, decorre do fato de se poder apreciar com segurança os riscos e benefícios do tratamento radioterápico pré-operatório e, portanto, melhor selecionar os pacientes para o tratamento complementar lembrando que se nesses casos a proctite por radiação pode ser superada pelo excisão do órgão alvo, restam, ainda, a exposição dos nervos dos plexos sacrais e o obrigatório envolvimento do canal anal no campo de aplicação com a possível deterioração esfincteriana e as indesejáveis pertubações funcionais, que poderiam ser evitadas em casos bem selecionados, eleitos para o tratamento cirúrgico exclusivo.

Além dos recursos de US e RM, há o indispensável exame protológico e outros exames complementares obrigatórios na definição da neoplasia e das possibilidades de cura por meio, apenas, da abordagem cirúrgica.

As representações gráficas de alta resolução espacial obtidas pela RM têm sido propostas e aceitas como um método de estadiamento do câncer do reto, com vantagens, em alguns aspectos, sobre o ultra-som pela possibilidade de plena avaliação dos tumores, mesmo nos mais volumosos e ou mais estruturados.

Além disso, o maior campo de visão proporcionado pela RM permite acesso a toda espessura do mesorreto e, nesse caso, a relação estrutural entre o tumor e a fácsia mesorretal nos eu aspecto radial e crânio-caudal. Sua resolução de alto contraste permite distinguir entre tecido tumoral e fibrose peritumoral o que facilita a demonstração da invasão profunda da lesão. Esses dados são pertinentes e relevantes e devem ser explorados para que possamos definir clinicamente grupos de pacientes que seriam beneficiados com a abordagem terapêutica neo-adjuvante, principalmente a radioterapia e os que poderiam ser operados, dispensando o complemento da radiação.

A preocupação com essa seleção é subsidiada pela observação de que a radioterapia é acompanhada de efeitos colaterais nocivos. Tem-se observado, cada vez mais, com o emprego da radioterapia pélvica, a crescente incidência de lesões actínicas agudas ou crônicas, retais, vesicais e para outros órgãos pélvicos, não só representadas pelas mucosites como também pelas pertubações funcionais, sejam elas da atividade erétil, da continência vesical ou da retal, por lesão direta sobre os esfíncteres e pelas radioneurites envolvendo os plexos e nervos sacrais.

Estima-se que cerca de 5% dos casos graves, portanto que necessitam de internação, por causas que promovem a hemorragia digestiva baixa são especificamente decorrentes de proctocolites induzidas pela radiação.

Todovia, não é só no tratamento neo-adjuvante do câncer do reto que vamos encontrar as piores conseqüências da radioterapia, excluindo a situação em que o canal anal fica dentro do campo com eventual prejuízo da função dos esfíncteres, mas também, na complementação de tratamento e no tratamento de outras moléstias malignas locais que podem envolver o sistema genitual-urinário feminino e o masculino. Naquele as neoplasias de útero, ovário e bexiga para mencionar apenas os mais comuns e, nesse, o câncer de próstata de bexiga.

Nas duas circunstâncias, o reto presente pode ser envolvido, mais ou menos – esse mais ou menos significa pelo menos 40% da parede anterior do reto – no campo irradiado e apresentar alterações agudas e crônicas, das quais não se exclui a neoplasia embora as mais comuns sejam as proctites por irradiação – aguda ou crônica – de variado grau de gravidade.

As lesões agudas são freqüentes, compromete virtualmente todos os pacientes irradiados, de forma variável e dependente tanto da sensibilidade tecidual aos efeitos da radiação como da dose de radiação aplicada. Os sintomas agudos não perduram por muito tempo, mas são às vezes, de gravidade tal que obriga, em cerca de 20% dos pacientes em tratamento,a suspensão temporária da aplicação da radiação.

A incidência de proctite crônica após a radioterapia é desconhecida principalmente pela falta de estudos prospectivos, sejam os programados pelos radioterapeutas, sejam os planejados pelos urologistas e ginecologistas, mas pode variar de 5 a 20%, como mencionado por alguns autores.

No entanto, é possível sabe que as proctites graves, de difícil tratamento, compreendem cerca de 2 a 5% dos casos sintomáticos. A lesão é dose dependente e aumenta substancialmente de incidência quando a dose de radiação excede 5000 cGy e pode chegar a 30% quando o valor se aproxima de 7000 cGy. Esse aumento tem ocorrido e tem sido a tônica nos últimos ensaios terapêuticos, principalmente estimulado pela radioterapia conformal, circunstância em que é possível expor menor área do reto à radiação, mas elevando a incidência da proctite hemorrágica, por causa da “seguraça” em aumentar a dose total de irradiação aplicada.

Nos ensaios feitos por Moore e col. a predisposição ao sangramento retal após o tratamento radioterápico definitivo do câncer de próstata atinge 80% em 3 anos, valor bem acima do que foi anteriormente registrado mostrando que o sangramento ocorreria em somente 60% ao cabo de 3 anos se mais de 40% da parede anterior do reto ficasse exposta no campo irradiado.

Os números citados de incidência de proctite tornam-se, no entanto, significativos considerando que, nos USA, há há cerca de 200.000 novos casos de câncer de próstata por ano, 82% dos quais em homens acima dos 65 anos de idade, com o agravante de que o problema é crônico e de resolução.

Moore e col .analisando a importância clínica dos efeitos da radioterapia conformal no tratamento do câncer de próstata fizeram os seguintes destaques, entre os 63 pacientes irradiados: 30 deles (48%) permaneceram assintomáticos, 33 (52%) tinham sintomas retais de proctite e, desses, 26 foram sistematicamente acompanhados. Dezenove (73%) desenvolveram hematoquezia e 7 (27%) tinham sangramento quando submetidos ao toque retal. Entre os pacientes com sangramento, 6 pacientes não tinham prectite e o sangramento era por causa e outras doenças colorretais.

Eles concluíram que a hematoquezia ou achado de sangue ma luva durante o toque retal, decorrente de seqüela da radioterapia, é evento comum no tratamento do câncer de próstata, mas não muito diferente da incidência de outras lesões que podem ser responsabilizadas pelo sangue notável e que são facilmente diagnosticadas pelo exame endoscópico.

Em suma, a radioterapia convencional foi bem-vinda, a teleradioterapia com acelerador linear foi melhor e a radioterapia tridimensional conformal é uma técnica inquestionavelmente avançada. Trata-se de um método pelo qual é possível a mais precisa seleção de direção e de intensidade de raios emitidos para alvos pontuais, objetivando quase que exclusivamente o tumor, com a conseqüente preservação dos tecidos vizinhos, portanto com maior efetividade e com o mínimo de efeitos colaterais crônicos e insolúveis.

Essas são as possibilidades teóricas que precisam ser comprovadas na prática, num campo de observação cujos resultados reais tem sido subestimados, principalmente quando referidos a efeitos colaterais nocivos que não se limitam exclusivamente as mucosites, mas envolvem, também, aspectos funcionais numa esfera em que, alguns deles, de caracteres incapacitantes que vão além do que se supõe ser devido à síndrome da resseção anterior (perda do reservatório retal) para abranger os danos diretos da radiação sobre os complexos esfincterianos e os plexos lombo-sacrais.

Por enquanto, seja para o câncer ginecológico e para o câncer de próstata, somos conclamados a investir no modelo mais preventivo do que curativo, mesmo sendo o “preventivo” apenas a mais precoce ação. Vale considerar que, para esses doenças de significativas incidências e altas mortalidades, “prevenir”, no sentido de ação mais precoce, é, sem dúvida alguma, bem melhor que remediar. Isso é mais relevante principalmente quando consideramos a necessidade do uso das terapias neo-adjuvantes que, com certeza, podem somar ao desconforto emocional de quem já é portador do câncer todo o desalento das iatrogênias inerentes ao tratamento que objetiva a cura.

Assim, precisamos encontrar os fatores preditivos que nos permitam escolher os pacientes com alta probabilidade de cura apenas com o tratamento cirúrgico, para que eles fiquem livres da radioterapia, e, por outro lado, buscar aperfeiçoar a técnica de radiação para aplicação nos casos cujas necessidades excedam a abrangência do tratamento cirúrgico exclusivo.